24 julho 2007

Excertos Poéticos

Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados,
fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs,
convocaríamos os amigos mais íntimos
com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer:
"Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se
em nuvem
hoje às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente,
com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia,
viríamos todos assistir à despedida.
Apertos de mãos quentes.
Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho,
sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida,
os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer,
começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?)
— nesta tarde de Outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis…

José Gomes Ferreira

:) surripiado ao Adamastor

2 comentários:

O Adamastor disse...

Bom gosto. Mas sem a Fujiko... A propósito dela - Um beijo "à eu", meu amor.

Vitória disse...

Vê o que o Rubem Alves pensa da morte,lá nas Grandes Letras....;)